quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Balanço do Fórum e do outro mundo possível


A seguir síntese da análise de Emir Sader em relação ao Fórum Social Mundial que ocorreu em Belém em fins de Janeiro.

A integra pode ser conferida no site da revista Carta Maior.

Um balanço do FSM de Belém não deve ser feito em função de si mesmo. Ele não nasceu como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de luta para a construção do “outro mundo possível”. Nesse sentido, qual o balanço que pode ser feito do FSM de Belém, do ponto de vista da construção desse “outro mundo”, que não é outro senão o de superação do neoliberalismo, de um mundo pósneoliberal?


Duas fotos são significativas dos dilemas do FSM: uma, a dos 5 presidentes que compareceram ao FSM – Evo, Rafael Correa, Hugo Chavez, Lugo e Lula -, de mãos dadas no alto; a outra, a fria e burocrática de representantes de ONGs brasileiras em entrevista anunciando o FSM. Na primeira, governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.Na outra, ONGs, entidades cuja natureza é fortemente questionada, pelo seu caráter ambíguo de “não-governamentais”, pelo caráter nem sempre transparente dos seus financiamentos, das suas “parcerias”, dos mecanismos de ingresso e de escolha dos seus dirigentes – a ponto que, em países como a Bolivia e a Venezuela, entre outros, as ONGs se agrupam majoritamente na oposição de direita aos governos. Sua própria atuação no espaço que definem como “sociedade civil” só aumenta essas ambigüidades. Entidades que tiveram um papel importante no inicio do FSM, mas que monopolizaram sua direção, constituindo-se, de forma totalmente não democrática, como maioria no Secretariado original, deixando os movimentos sociais, amplamente representativos, como a CUT e o MST, em minoria.

O FSM transcorreu entre os dois, entre a riqueza, a diversidade e a liberdade dos seus espaços de debate, e as marcas das ONGS, refletidas na atomização absoluta dos temas, na inexistência de prioridades – terra, água, energia, regulação do capital financeiro, guerra e paz, papel do Estado, democratização da mídia, por exemplo. À questão: o que o FSM tem a dizer e a propor de alternativas diante da crise econômica global e diante dos epicentros de guerra – Palestina, Iraque, Afeganistão, Colômbia -, que propostas de construção de um modelo superados do neoliberalismo e de alternativas políticas e de paz para os conflitos, a resposta é um grande silêncio.

Surpreendente a quantidade e a diversidade de origem dos participantes, notáveis as participações dos movimentos indígenas e dos jovens, em particular, momento mais importante do FSM a presença dos presidentes – cujas políticas deveriam ter sido objeto de exposição e debate com os movimentos sociais de maneira muito mais ampla e profunda. Triste que todo esse caudal não fosse ouvido, nem sequer por internet, a respeito do próprio FSM, das duas formas de funcionamento, da sua continuidade – outro sintoma do envelhecimento das conduções burocráticas dadas ao FSM. No dia seguinte ao final do FSM, reuniu-se o Conselho Internacional, de maneira fria e desconectada do que foi efetivamente o FSM, em que cada um – seja desconhecida ONG ou importante movimento social – tinha direito a dois minutos para intervir.O “Outro mundo possível” vai bem, obrigado. Enfrenta enormes desafios diante dos efeitos da crise, gestada no centro do capitalismo e para a qual se defendem bastante melhor os que participam dos processos de integração regional do que os que assinaram Tratados de Livre Comercio. Enfrentam a hegemonia do capital financeiro, a reorganização da direita na região, tendo no monopólio da mídia privada sua direção política e ideológica. Mas avança e deve-se se estender, sempre na América Latina, para El Salvado, com a provável vitória de Mauricio Funes, candidato favorito, da Frente Farabundo Marti à presidência, em 15 de março próximo.Já não se pode dizer o mesmo do FSM, que parece girar em falso, não se colocar à altura da construção das alternativas com que se enfrentam governos latinoamericanos e da luta de outras forças para passar da resistência à disputa hegemônica. Para isso as ONGs e seus representantes tem, definitivamente, que passar a um papel menos protagônico no FSM, deixando que os movimentos sociais dêem e tônica. Que nunca mais existam conferências como aquela de Belém, que nunca mais ONGs se pronunciem em nome do FSM, que os movimentos sociais – trata-se do Forum Social Mundial – assumam a direção formal e real do FSM, para que a luta antineoliberal trilhe os caminhos da luta efetiva por “outro mundo possivel” – de que a América Latina é o berço privilegiado.


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